Marcados à flor da pele
Por Vivian Oswald
A ventosoterapia, ou “cupping”, uma técnica chinesa milenar, voltou à tona durante a Olimpíada, estampando corpos de atletas como Phelps.
Fascinados com o desempenho de Michael Phelps, o maior medalhista da história dos jogos Olímpicos – das 28, seis foram no Rio-2016, sendo cinco de ouro, torcedores do mundo inteiro acompanharam a vida do atleta com quem busca o segredo de superação deste americano. Quando mergulhou na piscina do Estádio Aquático pela primeira vez, na prova dos 4x100m, no último dia 7, as estranhas marcas vermelhas no corpo do nadador eram os sinais de que havia algo mais a ser investigado. Eram marcas da ventosoterapia, uma técnica milenar chinesa a que Phelps recorreu antes – ele foi visto com os traços circulares no corpo também em 2008, nos jogos de Pequim.
Agora, a moda chegou para valer. No Rio, as manchas se repetiam na pele de atletas de outras modalidades e de outras seleções, da China à Lituânia. Internautas correram para a rede atrás de explicações para aquelas marcas expostas em corpos aparentemente tão perfeitos, como confirmou o Google ao Globo. Somente no Brasil, nos dez dias que se seguiram à aparição de Phelps com os círculos roxos, a procura pela palavra cupping (o nome em inglês, repetido exaustivamente no período pela mídia do mundo inteiro) aumentou 778% em relação aos dez dias anteriores. Há quase um ano, quando o nadador americano postou uma foto sua em plena sessão, com ventosas coladas às costas e às coxas, teve mais de 33,4 mil curtidas.
Até na China, onde a técnica é mais do que conhecida, o burburinho acabou por despertar curiosidade. Nos últimos dias, a mídia chinesa não falava em outra coisa. Passou uma semana discutindo os benefícios do uso de ventosas para combater dores e doenças. Os jornais comemoraram a popularidade da terapia como uma espécie de confirmação dos valores da cultura tradicional. O “Diário do povo”, uma das principais vozes do Partido Comunista, noticiou: “Tradições e produtos chineses proliferam pela Vila Olímpica”.
Na China, é um tratamento usado tanto por heróis do esporte quanto por seres normais de todas as idades. Mas há quem diga que a procura pelo tratamento pode ter aumentado em até 30% desde a abertura da Rio – 2016. Prática comum aqui, a ventosoterapia é oferecida em lugares tão distintos quanto hospitais, centros de medicina chinesa, salões de cabelereiro e casas de massagem. Os preços variam de acordo com a especialização do profissional, o endereço e a qualidade das instalações. Pode variar de dez yuan (R$4,86) nos hospitais a mais de mil yuans (R$486) em um spa de luxo.
As ventosas de acrílico e de vidro substituíram as ancestrais, feitas de bronze, chifres de animais ou bambu. Elas são uma parte da Medicina Tradicional Chinesa (MTC). Prova da seriedade com que os chineses tratam o assunto está no fato de há 50 anos ter surgido na capital do país o primeiro curso superior de MTC, na Universidade de Pequim, onde estudou durante 10 anos o médico Brasileiro Fernando Davino, que acaba de voltar para o Brasil. Segundo o Profissional, a técnica das ventosas é indicada para tratar síndromes causadas por vento, frio ou umidade, podendo ser dor lombar, nas costas ou nos ombros, articulares, de torção ou contusão dos tecidos moles, ou mesmo gripe por vento frio, dores de cabeça, asma e tosse entre outros sintomas.
Davino acredita que a disseminação da ventosoterapia na Olimpíada é vantajoso para quem busca tratamentos alternativos e para quem já usava a técnica mas se sentia constrangido ao exibir as marcas. É também uma forma de proteção para os profissionais, pois há casos em que os pacientes marcados entram na justiça por lesão corporal.
– É uma técnica simples, que, se bem orientada, pode ser feita em casa e trazer benefícios, como prevenção e tratamento de doenças – Explica Davino, que é bacharel em medicina chinesa e mestre em moxabustão (acupuntura térmica) e tuina (um tipo de massagem).
É cada vez maior a quantidade de médicos do mundo inteiro que procuram a China para fazer especializações, em geral, cursos de menor duração. Mas este mineiro de Ouro Preto frisa que precisou mergulhar na cultura chinesa para saber o que estava por trás dessa ciência milenar.
Doutorando da Universidade de Shangdong, o brasileiro Reginaldo Filho explica a grande procura dos atletas pela medicina chinesa por conta da constante batalha com a dor, já que não é possível recorrer à maioria dos medicamentos, pois as substâncias que os compõem pode acabar se configurando como dopping. Muitos deles, segundo o profissional, usam as ventosas como estímulo antes da competição não só para diminuir a dor como também para aumentar a circulação sanguínea.
– É um tratamento que traz equilíbrio. Ao puxar o sangue, a ventosa regula as funções do corpo. Mas não é só por isso que alguns atletas vão nadar mais rápido que outros – diz Filho, que se divide entre China e Brasil, onde é fundador e diretor da Escola Brasileira de Medicina Chinesa (Ebramec), em São Paulo.
Hoje, ele acompanha um grupo de 29 profissionais brasileiros que vieram fazer cursos de especialização de um mês na Universidade de Shangdong.Este é o sexto grupo que traz a China.
Ao GLOBO, Zhao Juan, mestre em acupuntura pela Universidade de Medicina Chinesa de Chengdu, recorda um ditado chinês que indica que a combinação de acupuntura e ventosa permite que a doença seja removida na metade do tempo. Ela ainda destaque que, na China, a ventosa também é aplicada como modalidade preventiva em hospitais para evitar resfriados nas épocas mais frias do ano. Já par Xie Dong Ming, mestre em acupuntura pela Universidade de Medicina Chinesa de Guang zhou, a prática de ventosoterapia não é uma panaceia mas tampouco a melhor terapêutica para todos pacientes.
– O bom profissional deve saber selecionar a terapêutica ideal para cada caso, resume Dong Ming.A tradição chinesa e as marcas estampadas em grandes atletas e celebridades, como Gwyneth Paltrow, uma das primeiras a exibi-las, em 2004, não resolvem a polêmica em torno desse tipo de tratamento. Há correntes da medicina e profissionais que questionam a eficácia da ventosoterapia, que atuaria como placebo. Há quem defenda até mesmo que pode ter efeitos colaterais, dependendo do paciente.